março 08, 2015

Montréal, 08 de março de 2015.

Carta às minhas amigas,

Minha querida amiga, irmã que o belo encontro da vida me ofertou, hoje eu não gostaria de exaltar sua beleza, tampouco sua delicadeza, mas sim o que me faz amar-te e, sobretudo, todas as qualidades que me fazem admirar-te como ponto de luz no mundo.

Como aprecio sua companhia, o sorriso cúmplice e o coração transbordante de ternura, como gostaria de lhe desejar um mundo adequado à suas aspirações e sonhos, profundo e incandescente... Hoje, porém, escrevo-lhe não para parabenizá-la por sua condição natural, nem sequer pelo ser ímpar que se constrói a cada dia, mas para enfatizar que se Elizabeth Bennet encontrou Mr. Darcy, Jane Austen não teve a mesma sorte.

Não se entristeça quando resumirem sua caminhada em resoluções como “ela é tão bonita, mas está sozinha”, não há problema algum em diferenciar-se em mais um aspecto. Somos todos únicos, e ainda assim perdemos capítulos inteiros tecendo – e sendo costurados em – um suposto uniforme... Esse mesmo ambiente que te violenta a cada dia com investidas nojentas, que te faz abraçar, aos dez anos, o maior medo de uma mulher – o estupro, é o que nutre e acalenta os homens que estão ao nosso redor, desenvolvendo, em alguns, o maior potencial possível de opressor e, com o perdão da palavra, de idiotas.

Se um dia as amigas de nossas mães tiveram de se submeter como única forma de continuar a vida, em 2015 eu posso lhe desejar que ninguém te violente – com posse que chamam de cuidado, com ciúme que apelidam de amor, com expectativas que desumanizam, com objetificação que batizaram de desejo. Se não for pra caminhar ao seu lado, mergulhar em seus olhos não maquiados e descobrir a complexa beleza das lentes com que observa o mundo... Desejo, sim, que você permaneça sozinha!
Se não estamos preparados para que dois seres se relacionem em amor gratuito, respeito e cumplicidade... Se além dos fantasmas e cicatrizes que cada um carrega, na bagagem trouxerem também a violência silenciosa que hoje celebra seu dia e amanhã te ofende por ser exatamente quem é... Desejo que você rompa com mais uma expectativa que recai sobre ti... E que, talvez, minha Alice possa escrever uma carta um pouco mais doce às suas amigas.

Em todo caso, também estou aqui...
Com amor, Nicole.



Um super conveniente, comovente e bem escrito texto para este dia em que o mundo acha que deve exaltar nossa beleza e feminilidade (?). Não. Não é por aí. Nicole sabe disso. Todas deveríamos saber.

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