fevereiro 22, 2012

Fish eye


Céu azul muito vivo ainda, apesar de já estar em vias de despedir-se naquela preguiça pré pôr-do-Sol. O vento desfila constante, sem pressa e com êxito em levar embora o pouco calor que o sol, já fraco, consegue derramar na pele das pessoas que ocupam aquele espaço. Ondas quebram bem decididas, mas lambem o solo com a espuma correndo cansada, assim, lenta como as palavras do senhor que bebe demoradamente sua cerveja. A água traz o cheiro da maresia. E eu, com as mãos alisando a areia grossa e fofa, a cabeça recostada no travesseiro natural preparado com cuidado, o corpo muito relaxado e a mente quase perdida, observo o tempo, sem pensar que ele passa.
Por alguns minutos tudo pára. Até mesmo a tarde, se arrastando e partindo devagar rumo ao horizonte.
Durante estes calmos minutos, antecedentes ao crepúsculo, o tempo parou. Ficamos só eu e o vento me abraçando. Eu - com a cabeça mirando para o alto - observando como numa lente olho-de-peixe este céu desmedido e forte, me envolvendo com suas nuvens ralas.
O tempo realmente parou. As poucas pessoas do entorno não se movem, não há música, não há qualquer pensamento, não há nada além desta paz, deste silêncio e destas nuvens se movendo em círculos através das minhas lentes.
Por estes poucos minutos não senti pressa nem pensamentos, não refleti a vida. Eu simplesmente existi, na exata simplicidade da existência. Sou um corpo cheio de coisa alguma, que olha para o alto e tem certeza de que o mundo é redondo e que o céu o envolve. E me envolve.
Nem mesmo medito meu sossego. Está tudo pleno, parado e preguiçosamente vivo, já se despedindo. Quase bocejando um boa noite.
Quase bocejando um "até a próxima".

Até a próxima, paz. O Sol se põe e a vida tem de começar.



Texto:

Pais e filhos maridos e esposas II (Trecho)
(Fabrício Carpinejar) 

Meu maior medo é viver sozinho e não ter fé para receber um mundo diferente e não ter paz para se despedir. Meu maior medo é almoçar sozinho, jantar sozinho e me esforçar em me manter ocupado para não provocar compaixão dos garçons. Meu maior medo é ajudar as pessoas porque não sei me ajudar. Meu maior medo é desperdiçar espaço em uma cama de casal, sem acordar durante a chuva mais revolta, sem adormecer diante da chuva mais branda. Meu maior medo é a necessidade de ligar a tevê enquanto tomo banho. Meu maior medo é conversar com o rádio em engarrafamento. Meu maior medo é enfrentar um final de semana sozinho depois de ouvir os programas de meus colegas de trabalho. Meu maior medo é a segunda-feira e me calar para não parecer estranho e anti-social. Meu maior medo é escavar a noite para encontrar um par e voltar mais solteiro do que antes. Meu maior medo é não conseguir acabar uma cerveja sozinho. Meu maior medo é a indecisão ao escolher um presente para mim. Meu maior medo é a expectativa de dar certo na família, que não me deixa ao menos dar errado. Meu maior medo é escutar uma música, entender a letra e faltar uma companhia para concordar comigo. Meu maior medo é que a metade do rosto que apanho com a mão seja convencida a partir com a metade do rosto que não alcanço. Meu maior medo é escrever para não pensar.

Um comentário:

Yohana Sanfer disse...

Blog e texto bonito, viu?! Vim retribuir a visita e gostei daqui! bjs