setembro 27, 2008

Arretez

My Diary:

Parando antes que fique longe demais, e acabe se tornando perigoso pra voltar sozinha.
Sabe, as vezes a gente se distrai e vai caminhando e caminhando... e nem percebe o quanto já andou.
Eu estou muito longe de casa e estou começando a ficar com medo.
Vai que eu começo a gostar deste lugar?
Alias, vai que eu começo a gostar de um lugar hostil?
Estou certa né? Vou-me embora antes que seja tarde. Antes que eu me veja em um lugar totalmente hostil e sem ter meios de voltar.
Voltar. Voltarei para o calor do meu cobertor e o sabor da comida da minha mãe.
É mais seguro e indolor.
Até porque... estou perdendo tempo neste caminho sem caminho...



Crônica da Semana:

Comendo o sistema
(Cristiana Soares)

- Consegui despentear o cabelo dele. E pelado, sem terno, ele se veste de outro homem. Minhas botas que ele critica ficam observando como pode um burguês e um bicho grilo na mesma cama. E eu concluo que cama é o lugar mais democrático do mundo, junto com as praias cariocas.

Eles se conheceram num site de relacionamentos. Melhor dizendo, ele a encontrou. As fotos de webcam em baixa resolução o encantaram instantaneamente. Enviou uma mensagem. Ela, de cara, percebeu pela pinta de engomadinho e pela descrição do perfil que aquele sujeito era o que costumava chamar de burga. E falou quase que num tom audível para si: “Ele não sabe com quem está falando”.

Educada e até quem sabe comovida pela abordagem espontânea e simples do homem de gravata, respondeu com risinhos, naquele estilo “mulher dando mole”. Afinal ele era bonito e tinha uma pele morena que lhe falou mais alto do que as ideologias. Num rompante, deu o e-mail pessoal. O que vai contra as sugestões do site para a preservação da privacidade.

Por que ela deu o seu e-mail particular? Porque com as informações que ele passara, na mensagem assertiva e contundente, foi direto ao Google e confirmou todas elas. Se ele não a poupou de sua privacidade. Por que ela o pouparia do seu e-mail?

Afoito, ele escreveu pedindo o telefone. Ela queria MSN antes.

Num misto de atração e repulsa, ela conversa com ele enquanto repete interiormente o mantra. “Ele não sabe com quem está falando”. E pensa se não o enganou com sua cara de mulher clássica. Pois os closes não mostravam as roupas de sarja, os colares de sementes, pés descalços, bife de glúten e arroz integral que carrega na alma. Ainda não existem máquinas que fotografam essência.

Ele provavelmente não sabe com quem está falando.

Durante a troca de mensagens instantâneas, entre as várias revelações de gostos pelas coisas da vida, a temperatura começa a subir quando se esbarram num ponto onde invariavelmente mulheres e homens se esbarram. Quantas coincidências no que se refere a preferências sexuais. Intimidade à primeira vista.

Partiram para o telefone. Ele falava tão desembestadamente que ela quase desistiu. Ele, num átimo de consciência, se refreou a tempo. E deu a palavra a ela. Mas ela não conseguia ser ouvida. Porque ele só queria desejá-la. Fantasiá-la. E ela tentava dizer que ele não sabia com quem estava falando.

Ok, ela topa um encontro para ele parar de falar tanto. E quem sabe convencê-lo das extremidades que habitam.

Ela não deixou que ele a buscasse em casa. Não queria que ele a confundisse com uma namorada em potencial. Ela nunca o namoraria. Seria como um palestino namorar um israelense.

O encontro aconteceu num bistrô francês onde ela nunca tinha entrado antes (nesse e em nenhum). Para garantir pelo menos uma noite de paz, ela colocou seu vestidinho de boutique e não usou sua bolsa tipo carteiro, enviesada no corpo. Sapatilha de mocinha comportada.

Desceu do táxi como quem vai resolver um problema. Mostrar para aquele cara quem era ela, o quão distante estavam um do outro e acabar com aquela palhaçada de uma vez.

A recepcionista abriu a porta para ela entrar. E ela se sentiu entrando no campo do inimigo.

Lá estava ele no balcão todo garboso, feliz, ansioso. Veio em direção a ela com o olhar mais iluminado que ela já ganhara na vida. O terno até combinou com aquela luz. Ela o achou mais bonito do que na foto.

Com velas e o escambau, houve ali uma noite romântica. Ele cheio de boas intenções, fazendo planos para o futuro. Ela com uma sapatilha dentro, outra fora.

Depois de duas taças de vinho orgânico e de esclarecer a série de diferenças que os separavam (e ele não se abalar nadinha com nenhuma), ela se entregou à situação: se não pode ir contra ele, coma-o. Foi assim que ela comeu o sistema.

2 comentários:

Tuta. disse...

Nenhum caminho é sem caminho. Basta olhar bem os atalhos que ele tem. Basta prestar atenção. Mas se você não quiser ir por este que tinha escolhido antes, é só voltar e começar, ou então, ir até onde começou a não gostar dele, e mudar a direção entre os atalhos. {Nossa, quantas metáforas!!} Só não siga pelos caminhos marcados por pegadas de alguém. Beijos princesa bailarina. Acha o teu caminho .

Natassja disse...

O bom é sair quando a festa tá boa!! ;) A questão é: em que ponto ela deixa de ser boa? Se eu sair antes, o que eu posso perder? A minha música favorita já tocou? E se aparecer uma nova, e melhor?