outubro 20, 2007

Meio a meio

(no Weblogger - o falecido - sábado, 20 de outubro de 2007)


My Diary:

É... Tem muito tempo... E é muito bom, mas... parece que não é tudo!
Satisfaz parte (grande parte) das minhas necessidades.... Mas de confusa que sou, nem tu, nem isso é capaz de me completar...
Um dia hei de me sentir plena, mas sei que este dia está distante.
Sei, leitores, não estão entendendo nada... Devaneios...
Se estou bem? Estou, claro.
Estou no mínimo feliz. Uma semana boa tive, enfim... Nenhum receio... Só descobertas.
E vivo feliz... Estou gostando e vivendo e explodindo de fato!
Ah.. Adoro esta boa companhia!
Leitores meus do coração... bom ter vocês para compartilharem comigo toas as minhas alucinações.
Tudo bem... Acho que estou meio entorpecida!
Boa semana para todos!



Humor da Semana:

O homem da escada
(Tati Bernardi)

Ele comia a professora de power yoga do 43, comia a ex-semivirgem que de tão magra a gente via os pêlos pubianos porque o osso da bacia levantava o biquíni, e comia até a Rose, mãe da Paulinha, mulher casada há 12 anos e meio e que vivia suspirando e esticando os pés de galinha no espelho do elevador.
Um belo dia, o porteiro encheu os olhos de vida e contou para a minha empregada:

“Ele comeu a Dona Silvia na escada do prédio.”

Dona Silvia não prestava nada, até cantavam pra ela da quadra lá embaixo: “Ô Siiiilvia, piraaaanha”. Coisa que os pais devem ter ensinado, porque essa música é velha demais para estar na boca de adolescentes espinhentos que batem playstation todos os dias. O fato é que o porteiro encheu muito os olhos de vida e continuou:

“Deu pra ver tudo pela câmera de segurança, ela ficou de quatro e ele mandou ver, uma, duas, três vezes.”

Não sei ao certo se a máquina sexual em forma de vizinho pagava uma caixinha para o porteiro sair pelo prédio espalhando tantos elogios ao seu desempenho, e por isso mesmo comia todo mundo, ou se aquilo era apenas uma conversa corriqueira na porta da minha cozinha, entre uma canção e outra da rádio evangélica da Maria. Só sei que comecei a gostar tanto do papo, que até sentei pra ouvir melhor.
O porteiro soltou uma imensa gargalhada, transbordou de vez uma louca vida dos seus olhos, e concluiu:

“Antes de largar a Dona Silvia lá, caída no chão, ele fez um tchauzinho pra câmera de segurança, a gente tava tudo lá, eu e os outros, e aplaudimos o Seu Flávio de pé.”

Eu não precisava ouvir mais nada, estava decidido, ia dar pra esse cara, esse cara era o cara, era o comedor, era o homem perfeito pra gente se divertir um pouco enquanto o amor não vem. Era o cara pra esquecer o romantismo e celebrar a vida mundana.
Sim, eu sou uma nova mulher, uma mulher que faz curso de astrologia, yoga, meditação, mitologia. Uma supermulher decidida a morar sozinha, decidida a ser feliz sozinha, decidida a viajar pela Europa, decidida a nunca mais ter um emprego idiota que não permita cursos divertidos, viagens e curtir a minha plena existência. Independente, espiritualizada, analisada, madura... mas, francamente: o cara mandou uma, duas, três na escada, e ainda deu tchauzinho pras câmeras? Que se dane o espírito e a evolução, meu ego precisava trepar com esse ser divino e pronto.
Usei minha tática predileta para comer um homem: um dia, como quem não quer nada, numa dessas cruzadas pelo estacionamento do prédio, contei que era escritora. Não sei explicar o que acontece, mas quando um cara descobre que eu escrevo, é mais de meio caminho andado para querer desesperadamente me conquistar.
Não sou promoter da Lotus e nem faço parte do “super insane guetto no brain mega pop star das supergatas iradas da festa do branco do Sirena”, sou apenas uma escritora que senta a bunda flácida de frente pro laptop e escreve a porra do dia todo. Mas eles não estão nem aí, eles querem comer minhas personagens, minhas putarias, minhas neuroses, a fotinho que sai na coluna da VIP, minhas fãs do Orkut, minhas estranhices, o glamour da literatura, sei lá... “Uma loirinha jeitosinha e ainda sabe escrever mais de um parágrafo sem falar ‘tipo assim, irado’? Desse tipo ainda não experimentei.”
Não deu outra, no mesmo dia, provavelmente após ele ter lido alguma coisa minha (claro que dei todas as pistas), chegou um longo e-mail com mil elogios à minha sensibilidade e um amável convite para ir jantar no dia seguinte.
Topei e corri para o armário: o homem que deu uma, duas, três na escada e ainda deu tchauzinho para a câmera merecia a produção mais sexy do mundo.
Achei estranho quando flores chegaram pela manhã e mais estranho ainda quando ele abriu a porta do carro para mim. Mas tudo bem, daqui a pouco o macho animalesco ia surgir e me comer em cima do capô, atrás da igreja ou no banheiro do restaurante. Aquilo tudo era figuração para prorrogar o clímax e torná-lo ainda mais feroz.
Fez questão de pedir um vinho chique de uma uva sul-africana chique e ainda pediu que acendessem as velinhas da nossa mesa. Segurou minhas mãos, brilhou os olhos e falou cheio de ternura:

“Ontem você me fez chorar.”

Não, não, ele só pode ter confundido o verbo, provavelmente quis dizer: você me fez gozar, me fez ficar louco, me fez ter que dar uma, duas, três no banho, me fez qualquer coisa mais animadinha... mas chorar?
Ele continuou:

“Sabe, não agüento mais essas conquistas vazias pelo mundo a fora, o sexo sem alma, a falta de companhia inteligente para uma vida.”

Mas justo na minha vez? Poxa, a professora de yoga tinha gritado tanto na sauna que deu pra ouvir até no quarto andar seus mantras. Depois ele desvirginou a modelete ossuda que vivia pagando de gatinha na piscina e até eu queria pegar, depois quebrou o galho da Rose que via o mesmo pinto mole há mais de doze anos, e fechou com chave de ouro comendo a Silvia tal qual uma cadela. Justo na minha vez ele ia querer filminho do Hugh Grant embaixo do edredom? O que eu tinha feito para merecer tamanho desprezo?

“Olha, eu vi em você o que eu sempre procurei em uma mulher: profundidade.”

Então, amigo, isso mesmo, profundidade, não vai querer conhecer a minha profundidade agora embaixo da mesa?
Ele passou a noite toda olhando nos meus olhos, sem desviar sequer um segundo para meu decote. Contou da separação dos pais, da dificuldade de engravidar da irmã (aproveitando para deixar claro que ele está louco para ser pai) e do quanto amava os cachorrinhos, a natureza e o amor.
Quando finalmente chegamos juntos ao elevador do nosso prédio, ele apertou seu andar e o meu, matando de vez qualquer esperança minha de ser devorada loucamente naquela noite. Se despediu com cara de bobo e ainda mandou uma mensagem de texto pelo celular quando eu já estava frustradamente deitada na minha cama:

“Foi uma das melhores noites da minha vida.”

Dormi mais uma vez me sentindo usada pelos homens.

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